quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Índice de Letramento Científico: Um Indicador para o Brasil


Anderson S. L. Gomes
Professor Associado, Departamento de Física, UFPE.

Albert Einstein certa vez disse que “Educação é o que nos resta depois que esquecemos tudo que aprendemos na Escola”.  No sentido amplo da palavra, educação engloba desde o conhecimento e bom uso das questões éticas, humanas e sociais até às tecnológicas e científicas, tanto do ponto de vista acadêmico como prático, no dia a dia. É bem divulgado que países consideradas desenvolvidos tem, nos seus cidadãos, uma educação adequada e um desenvolvimento científico e tecnológico, base da inovação, que resulta em um importante impacto econômico e social. Estes países tem se preocupado com a educação básica e superior, e em particular tem estimulado o aprendizado de ciências e tecnologias, sem deixar de lado as outras áreas. O reflexo disto está na evolução das notas do PISA  (o “Programme for International Student Assessment” - Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) , um indicador internacional que, mesmo tendo suas falhas e críticas, é bastante útil. Mas este teste é aplicado a estudantes em fase escolar. Uma outra forma de avaliação realizada em diversos países é através de uma medida do letramento científico, também traduzido como alfabetização científica. Este tipo de medida é realizado na população em geral, que já deixou a sala de aula. Letramento científico é um conceito amplo que tem evoluído desde a primeira aparição do termo no final dos anos 1950, utilizado para descrever a compreensão da ciência e suas aplicações na sociedade. Apesar de não haver uma definição universal, é consenso entre diversos autores que o letramento cientifico está diretamente relacionado ao desenvolvimento da capacidade de ler, compreender e expressar opinião sobre assuntos que envolvam algum conhecimento científico.

Até 2014, o Brasil não dispunha de uma medida quantitativa do letramento científico da sociedade brasileira. Numa iniciativa do Instituto Abramundo (www.institutoabramundo.org.br), em conjunto com Ação Educativa (http://www.acaoeducativa.org.br) e o Instituto Paulo Montenegro (http://www.institutopaulomontenegro.org.br), foi realizada uma pesquisa que gerou um Indicador de Letramento Científico (ILC) para o País. Os resultados da pesquisa do ILC no Brasil, já amplamente divulgado pela mídia (http://www.institutoabramundo.org.br/publicacoes/indice-de-letramento-cientifico/), tem encontrado uma grande ressonância e ainda perplexidade aos que a conhecem, e provocam duas questões: por quê e para quê um ILC? As respostas a estas e outras perguntas podem também ser encontrados no relatório analítico completo  (disponível via contato com o Instituto Abramundo), que trás uma análise da pesquisa, sua contextualização no cenário internacional, e, no cenário nacional, relaciona os resultados do ILC com as desigualdades regionais, o IDEB e o PISA, o pós-escola (particularmente o papel do ensino médio e do ensino fundamental), o mercado de trabalho e a ciência, tecnologia e inovação.

Neste artigo, nós descrevemos de forma resumida os principais achados da pesquisa, destacando seu resultado geral, contextualizando onde estamos no cenário internacional, e fazemos ainda dois destaques dos resultados: o impacto sobre respondentes do ensino fundamental e ensino básico e sobre respondentes já no mercado de trabalho. Iniciamos, entretanto, descrevendo as bases técnicas e metodológicas da pesquisa e sua abrangência geográfica.

Tendo partido de duas experiências exitosas, o INAF no Brasil e o PISA no mundo, a pesquisa que levou ao ILC foi criada a partir de três perspectivas, que foram tratadas em três dimensões conforme o quadro 1.


Quadro 1 – Perspectivas e dimensões do ILC 2014



     
É importante notar o caráter não escolar da pesquisa, que foi realizada com 2002 indivíduos – correspondendo a 23 milhões de brasileiros - na faixa etária de 15 a 40 anos, com escolaridade mínima de 4 anos de estudo, em entrevistas domiciliares nas seguintes regiões metropolitanas: Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Fortaleza, Salvador, Belém e Distrito Federal. Neste contexto, um dos aspectos mais trabalhados pelas três equipes participantes do processo foi a definição da escala e dos níveis de letramento científico, base do ILC, mostrado no quadro 2 a seguir. As questões tiveram como base a teoria da resposta ao item (TRI). 
                                  
Quadro 2 – Definição das escalas e níveis do ILC 2014


   

O resultado global da pesquisa está mostrado na figura 1. Apenas 5% da população da população pesquisada atinge o nível máximo, ILC-4, correspondente a uma proficiência em letramento científico. Quase metade dos respondentes está no nível de letramento cientifico rudimentar, ILC-2. 


Figura 1 – Resultado global da pesquisa sobre o nível de letramento cientifico da população brasileira.   



Estas pessoas, no nível ILC-2, souberam responder perguntas como “o que faz com que pneus com estrias aumentem a segurança quando a pista está molhada?”, mas não foram capazes de analisar corretamente questões com gráficos simples, que correspondia a questões do nível ILC-3. Exemplo de perguntas no nível ILC-4 envolviam leitura de gráficos e propostas de cenários. Já no nível mais baixo, 16% não responderam a questões muitos simples, como ler uma bula de remédio onde a resposta estava literalmente no texto.

Como este resultado para o Brasil se compara a outros Países no mundo? Diversas pesquisas sobre índice de letramento cientifico – ou equivalente – tem sido realizada, principalmente Estados Unidos e vários países na  Europa. A tabela 1 mostra uma compilação do percentual estimado de adultos com nível de letramento científico adequado. Algumas observações sobre a tabela merecem destaque. O mesmo autor elaborou e aplicou as questões nos países indicados no ano de 1998 e 2007. O Canadá realizou um excelente trabalho e, em 2012, realizou um amplo estudo no qual o letramento cientifico foi incluído e comparado a diversos outros países, tendo o Canadá atualmente o índice de 42% da população considerada cientificamente letrada. Naturalmente, a última pesquisa em outros países que foi amplamente divulgada ocorreu em 2007, quando a Suécia aparecia em primeiro lugar. Observe também que vários países com menos de 5 ou 6 pontos percentuais em 1998 avançaram cerca de 6 ou mais pontos percentuais entre 1998 e 2007, enquanto que o Brasil, em 2014, aparece com 5%. Claramente há muito o que avançar no Brasil, e uma clara correlação com a forma como a relação ensino-aprendizagem em ciências nos anos fundamentais e ensino médio fica evidente nos resultados mais específicos da pesquisa.

Uma leitura mais ampla dos resultados da pesquisa, cuja disponibilidade já foi indicada anteriormente, é muito esclarecedora e aponta caminhos para reduzir o problema.




Conforme mencionado anteriormente, neste artigo destacamos dois aspectos da pesquisa. Na figura 2, está mostrado o resultado do ILC por nível de escolaridade. A tabela do lado esquerdo mostra a distribuição da população quanto ao ILC por níveis de faixa etária, enquanto que do lado direito por nível de escolaridade. 

Uma leitura dos dados de escolaridade revelam que 79% dos estudantes que concluem o EF nos níveis ILC-1 e ILC-2 e que 66% daqueles que concluem o EM nos mesmos níveis. Esta é uma constatação nada animadora do ensino médio no País, que infelizmente comprova que esta fase da aprendizagem dos jovens está realmente deixando – e muito – a desejar. O impacto aparece na prova do PISA, o o Brasil tem péssimo desempenho não só em ciências mas também em português e matemática. Entre 2000 e 2012, o Brasil melhorou 41 pontos em matemática, 15 em linguagem e apenas 11 em ciências na prova do PISA, se comparado com a média dos países da OCDE. A olimpiada brasileira de matemática da escola pública (OBMEP) tem um papel fundamental neste processo.

Figura 2 – ILC por nível de escolaridade

Uma conclusão natural é que precisamos preparar os estudantes em ciências, começando do ensino fundamental. Esta preparação inclui, necessária e fundamentalmente, a preparação adequada de professores tanto na formação inicial como na formação continuada.

Finalmente, outro destaque da pesquisa que trazemos neste artigo diz respeito aos trabalhadores e o ILC, cujos resultados estão mostrados na figura 3.

Figura 3  - O ILC e os trabalhadores

A observação a ser feita aqui, para reflexão, é que nos funcionários de mais alto nível, de liderança, poder de decisão, tanto no setor privado como no setor público, apenas 15 e 12%, respectivamente, estão no nível ILC-4. Novamente, a falta deste conhecimento é evidente e isto claramente se relaciona com o nível de decisões tomadas, a forma ou falta de planejamento em questões críticas para a sociedade, cujas decisões e ações passam por pessoas em funções chave tanto na iniciativa privada com impacto na sociedade, como empresas públicas que foram privatizadas, ou mesmo nas empresas do setor público.

Conforme já mencionado nos relatórios já produzidos, a pesquisa que gerou o ILC é um marco no País no tocante à medida do letramento cientifico, realizado de forma independente por três instituições cuja visão de futuro do desenvolvimento social e econômico do País vê a necessidade de uma forte componente de conhecimento cientifico e tecnológico da população brasileira. Medir este grau de conhecimento no âmbito do letramento cientifico, e apontar um indicador tangível e reprodutível, resultou nos relatório apresentados. E agora? Qual o próximo passo? Uma série de sugestões e recomendações – não exaustivas - complementam o documento analítico, com o objetivo de que este seja um "instrumento de ação" e não um instrumento de leitura e citação bibliográfica.

No momento em que o Ministério de Educação, através do Conselho Nacional de Educação e vários atores estão engajados em discutir e promover uma base nacional comum para a educação básica no País (basenacionalcomum.org.br), a pesquisa do ILC aponta vários dos gargalos e pode contribuir fortemente para a elaboração de um documento próximo da realidade do dia-a-dia dentro e fora da escola.

Os relatórios do ILC também apontam recomendações, a partir de seminários já realizados, e uma destas recomendações eu utilizo aqui como conclusão deste artigo:

Colocar a aprendizagem de ciências como prioridade, juntamente com linguagem e matemática, levando em consideração, o ensino básico em tempo integral, a formação e qualificação de professores de ciências e a aprendizagem de ciências a partir do ensino fundamental I.







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