Professor Associado, Departamento de Física, UFPE.
Albert Einstein certa vez disse que “Educação é o que nos
resta depois que esquecemos tudo que aprendemos na Escola”. No sentido amplo da palavra, educação engloba
desde o conhecimento e bom uso das questões éticas, humanas e sociais até às
tecnológicas e científicas, tanto do ponto de vista acadêmico como prático, no
dia a dia. É bem divulgado que países consideradas desenvolvidos tem, nos seus
cidadãos, uma educação adequada e um desenvolvimento científico e tecnológico,
base da inovação, que resulta em um importante impacto econômico e social.
Estes países tem se preocupado com a educação básica e superior, e em particular
tem estimulado o aprendizado de ciências e tecnologias, sem deixar de lado as
outras áreas. O reflexo disto está na evolução das notas do PISA (o “Programme for International Student
Assessment” - Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) , um indicador
internacional que, mesmo tendo suas falhas e críticas, é bastante útil. Mas
este teste é aplicado a estudantes em fase escolar. Uma outra forma de
avaliação realizada em diversos países é através de uma medida do letramento
científico, também traduzido como alfabetização científica. Este tipo de medida
é realizado na população em geral, que já deixou a sala de aula. Letramento
científico é um conceito amplo que tem evoluído desde a primeira aparição do
termo no final dos anos 1950, utilizado para descrever a compreensão da ciência e suas aplicações na sociedade.
Apesar de não haver uma definição universal, é consenso entre diversos autores
que o letramento cientifico está diretamente
relacionado ao desenvolvimento da capacidade de ler, compreender e expressar
opinião sobre assuntos que envolvam algum conhecimento científico.
Até 2014, o Brasil não dispunha de uma medida quantitativa do
letramento científico da sociedade brasileira. Numa iniciativa do Instituto
Abramundo (www.institutoabramundo.org.br),
em conjunto com Ação Educativa (http://www.acaoeducativa.org.br)
e o Instituto Paulo Montenegro (http://www.institutopaulomontenegro.org.br),
foi realizada uma pesquisa que gerou um Indicador de Letramento Científico (ILC) para o País. Os resultados da
pesquisa do ILC no Brasil, já amplamente divulgado pela mídia (http://www.institutoabramundo.org.br/publicacoes/indice-de-letramento-cientifico/),
tem encontrado uma grande ressonância e ainda perplexidade aos que a conhecem,
e provocam duas questões: por quê e para quê um ILC? As respostas a estas e
outras perguntas podem também ser encontrados no relatório analítico completo (disponível via contato com o Instituto
Abramundo), que trás uma análise da pesquisa, sua contextualização no cenário
internacional, e, no cenário nacional, relaciona os resultados do ILC com as
desigualdades regionais, o IDEB e o PISA, o pós-escola (particularmente o papel
do ensino médio e do ensino fundamental), o mercado de trabalho e a ciência,
tecnologia e inovação.
Neste artigo, nós descrevemos de forma resumida os principais
achados da pesquisa, destacando seu resultado geral, contextualizando onde
estamos no cenário internacional, e fazemos ainda dois destaques dos
resultados: o impacto sobre respondentes do ensino fundamental e ensino básico
e sobre respondentes já no mercado de trabalho. Iniciamos, entretanto, descrevendo
as bases técnicas e metodológicas da pesquisa e sua abrangência geográfica.
Tendo partido de duas experiências exitosas, o INAF no Brasil
e o PISA no mundo, a pesquisa que levou ao ILC foi criada a partir de três
perspectivas, que foram tratadas em três dimensões conforme o quadro 1.
Quadro 1 –
Perspectivas e dimensões do ILC 2014
É importante notar o caráter não escolar da
pesquisa, que foi realizada com 2002 indivíduos – correspondendo a 23 milhões
de brasileiros - na faixa etária de 15 a 40 anos, com escolaridade mínima de 4
anos de estudo, em entrevistas domiciliares nas seguintes regiões
metropolitanas: Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo
Horizonte, Recife, Fortaleza, Salvador, Belém e Distrito Federal. Neste
contexto, um dos aspectos mais trabalhados pelas três equipes participantes do
processo foi a definição da escala e dos níveis de letramento científico, base
do ILC, mostrado no quadro 2 a seguir. As questões tiveram como base a teoria
da resposta ao item (TRI).
Quadro 2 – Definição das escalas e níveis do ILC
2014
O resultado global da pesquisa está mostrado na
figura 1. Apenas 5% da população da população pesquisada atinge o nível máximo,
ILC-4, correspondente a uma proficiência em letramento científico. Quase metade
dos respondentes está no nível de letramento cientifico rudimentar, ILC-2.
Figura 1 – Resultado global da pesquisa sobre o
nível de letramento cientifico da população brasileira.
Estas pessoas, no nível ILC-2, souberam responder perguntas como “o que faz com que pneus com estrias aumentem a segurança quando a pista está molhada?”, mas não foram capazes de analisar corretamente questões com gráficos simples, que correspondia a questões do nível ILC-3. Exemplo de perguntas no nível ILC-4 envolviam leitura de gráficos e propostas de cenários. Já no nível mais baixo, 16% não responderam a questões muitos simples, como ler uma bula de remédio onde a resposta estava literalmente no texto.
Como este resultado para o Brasil se compara a outros Países
no mundo? Diversas pesquisas sobre índice de letramento cientifico – ou
equivalente – tem sido realizada, principalmente Estados Unidos e vários países
na Europa. A tabela 1 mostra uma
compilação do percentual estimado de adultos com nível de letramento científico
adequado. Algumas observações sobre a tabela merecem destaque. O mesmo autor
elaborou e aplicou as questões nos países indicados no ano de 1998 e 2007. O
Canadá realizou um excelente trabalho e, em 2012, realizou um amplo estudo no
qual o letramento cientifico foi incluído e comparado a diversos outros países,
tendo o Canadá atualmente o índice de 42% da população considerada
cientificamente letrada. Naturalmente, a última pesquisa em outros países que
foi amplamente divulgada ocorreu em 2007, quando a Suécia aparecia em primeiro
lugar. Observe também que vários países com menos de 5 ou 6 pontos percentuais
em 1998 avançaram cerca de 6 ou mais pontos percentuais entre 1998 e 2007,
enquanto que o Brasil, em 2014, aparece com 5%. Claramente há muito o que
avançar no Brasil, e uma clara correlação com a forma como a relação
ensino-aprendizagem em ciências nos anos fundamentais e ensino médio fica
evidente nos resultados mais específicos da pesquisa.
Uma leitura mais ampla dos resultados da
pesquisa, cuja disponibilidade já foi indicada anteriormente, é muito
esclarecedora e aponta caminhos para reduzir o problema.
Conforme mencionado anteriormente, neste artigo destacamos dois aspectos da pesquisa. Na figura 2, está mostrado o resultado do ILC por nível de escolaridade. A tabela do lado esquerdo mostra a distribuição da população quanto ao ILC por níveis de faixa etária, enquanto que do lado direito por nível de escolaridade.
Uma leitura dos dados de escolaridade revelam
que 79% dos estudantes que concluem o EF
nos níveis ILC-1 e ILC-2 e que 66% daqueles que concluem o EM nos mesmos
níveis. Esta é uma constatação nada animadora do ensino médio no País, que
infelizmente comprova que esta fase da aprendizagem dos jovens está realmente
deixando – e muito – a desejar. O impacto aparece na prova do PISA, o o Brasil
tem péssimo desempenho não só em ciências mas também em português e matemática.
Entre 2000 e 2012, o Brasil melhorou 41 pontos em matemática, 15 em linguagem e
apenas 11 em ciências na prova do PISA, se comparado com a média dos países da
OCDE. A olimpiada brasileira de matemática da escola pública (OBMEP) tem um
papel fundamental neste processo.
Figura 2 – ILC por nível de escolaridade
Uma
conclusão natural é que precisamos preparar os estudantes em ciências, começando
do ensino fundamental. Esta preparação inclui, necessária e fundamentalmente, a
preparação adequada de professores tanto na formação inicial como na formação
continuada.
Finalmente, outro
destaque da pesquisa que trazemos neste artigo diz respeito aos trabalhadores e
o ILC, cujos resultados estão mostrados na figura 3.
Figura 3 - O ILC e os trabalhadores
A
observação a ser feita aqui, para reflexão, é que nos funcionários de mais alto
nível, de liderança, poder de decisão, tanto no setor privado como no setor
público, apenas 15 e 12%, respectivamente, estão no nível ILC-4. Novamente, a
falta deste conhecimento é evidente e isto claramente se relaciona com o nível
de decisões tomadas, a forma ou falta de planejamento em questões críticas para
a sociedade, cujas decisões e ações passam por pessoas em funções chave tanto
na iniciativa privada com impacto na sociedade, como empresas públicas que
foram privatizadas, ou mesmo nas empresas do setor público.
Conforme
já mencionado nos relatórios já produzidos, a pesquisa que gerou o ILC é um
marco no País no tocante à medida do letramento cientifico, realizado de forma
independente por três instituições cuja visão de futuro do desenvolvimento
social e econômico do País vê a necessidade de uma forte componente de
conhecimento cientifico e tecnológico da população brasileira. Medir este grau
de conhecimento no âmbito do letramento cientifico, e apontar um indicador
tangível e reprodutível, resultou nos relatório apresentados. E agora? Qual o
próximo passo? Uma série de sugestões e recomendações – não exaustivas -
complementam o documento analítico, com o objetivo de que este seja um "instrumento de ação" e não
um instrumento de leitura e citação bibliográfica.
No
momento em que o Ministério de Educação, através do Conselho Nacional de
Educação e vários atores estão engajados em discutir e promover uma base
nacional comum para a educação básica no País (basenacionalcomum.org.br), a
pesquisa do ILC aponta vários dos gargalos e pode contribuir fortemente para a
elaboração de um documento próximo da realidade do dia-a-dia dentro e fora da
escola.
Os
relatórios do ILC também apontam recomendações, a partir de seminários já
realizados, e uma destas recomendações eu utilizo aqui como conclusão deste
artigo:
Colocar a aprendizagem de ciências como prioridade, juntamente com linguagem e matemática, levando em consideração, o ensino básico em tempo integral, a formação e qualificação de professores de ciências e a aprendizagem de ciências a partir do ensino fundamental I.
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